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Ensaios-->A SEGUNDA IDADE -- 29/09/2001 - 19:42 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando a gente está no auge da contemplação, pensando que tudo é maravilhoso, surge a inevitável necessidade de ter de ganhar a vida com as próprias mãos. Não que a existência perca a sua exuberância, mas o fato é que a menarca e as primícias masculinas são o prenúncio da responsabilidade plena camuflado pela intensa vontade de fazer mais vidas. Daí para frente, se não tivermos a cautela dos sábios e o reflexo dos escaldados, certamente poderemos vir a fazer com que os nossos dias futuros sejam menos felizes do que os da tenra idade.

Na infância, temos tempo e saúde, mas não temos dinheiro. Na velhice, supõe-se que tenhamos tempo e dinheiro, mas sem saúde. E na fase adulta produtiva, o que falta? O tempo? Não tenho certeza disto. Na verdade, ele é o mesmo de sempre. Nós é que o tratamos de maneira diferente. Também, não temos muita escolha, pois as coisas, do jeito que a conhecemos, não nos permitem dualidades sãs. A não ser que se opte pelo que convencionamos chamar de sociedade alternativa, jogando para o alto princípios tidos como inquestionáveis dentro das regras de formação de nossos vínculos atuais. Aí, o dinheiro começa a não fazer muito sentido e passamos a admitir outros valores como fundamentais. Mas isto são exceções que só passam pela cabeça das pessoas quando elas estão espreguiçando os braços por trás da cabeça, entre uma tarefa realizada e outra por começar.

Sinceramente, gostaria que essa parte da vida tivesse um leque maior de opções comportamentais. Quando caímos nesse caldeirão é que percebemos que o mundo forçosamente está dividido entre malandros e otários, ou melhor, entre os que pensam que são malandros e os que acham que não são otários. Dentro dessa filosofia, centenas de milhões de pessoas começam e terminam suas jornadas de trabalho, às vezes estendendo o conceito para os limites das relações familiares. No meio desse arranca-toco, pelo incrível que pareça, as pessoas procuram desesperadamente por afeto e compreensão, mas acabam cada vez mais escaramuçando, na medida que não encontram atitudes alheias coerentes com as suas intenções. Quando, finalmente, aparece uma alma gêmea, há uma vampirização das relações amorosas, um excesso de idealização em cima de uma única pessoa, causada pela ausência geral de solidariedade. A evolução social, que ora presenciamos, põe em evidência o fracasso das utopias, a derrota das crenças nascidas com o ideal de igualdade, fraternidade e liberdade, semeado na França, em 1789, e cultivado, ainda que alternativamente, até alguns anos atrás.

Nós, adultos da segunda idade, sabemos perfeitamente que a hipocrisia está mais presente do que nunca na maioria das relações humanas. Neste mundo neoliberal, o vertiginoso progresso tecnológico da informação não foi acompanhado pela evolução social e ética. A integração planetária quase que instatânea é capaz de desconectar nações e indivíduos de acordo com a sua relevância para essa nova ordem mundial. Como existem poucos eleitos e muitos excluídos, acaba transformando o fingimento numa espécie de estratégia de sobrevivência. Então, ao invés de nos tornarmos autores, acabamos como atores e, quando nos perguntam “como vai?”, respondemos “tudo bem”, mesmo estando no fundo do poço, porque, se choramingarmos, seremos tachados de “mala” e imediatamente deletados do sistema.

Se não fosse o torpe desgaste emocional diário, necessário nas relações de sobrevivência dessa etapa da vida, certamente seríamos muito mais felizes. Acontece que, no final das contas, acabamos nos comportando como animais, que saem das suas tocas tão somente para retirar do meio ambiente os recursos exigidos por aqueles que estão sob sua responsabilidade. O caráter individual é que vai definir quais pessoas tirarão melhor proveito desta situação, conseguindo fazer com que suas relações rotineiras lhes sejam na maioria das vezes favoráveis. Aí, chega o dia em que os filhos pródigos se tornam auto-suficientes e abandonam o ninho, permitindo-nos notar que somos frágeis e que nosso poder de atuação é extremamente limitado. Este talvez seja o momento em que começamos a perceber o ocaso e, mesmo que façamos força para mostrar que somos inabaláveis, vai chegar uma hora em que nossos sentidos se entregarão completamente ao desespero, com as dores tomando conta do nosso corpo e da nossa alma. Então, o tiro de misericórdia chegará na forma de um troféu de “honra ao mérito”, que ficará jogado numa prateleira empoeirada, enquanto temos de ir ao banco para receber os proventos da jubilação, que são os derradeiros frutos dessa longa batalha. Este é o quadro clínico que, finalmente, diagnosticará a nossa entrada nos recônditos da terceira idade.
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